lørdag 6. august 2011

LONGOS ANOS TÊM CEM DIAS ESPECIALMENTE NO VERÃO E NO VARÃO

PASSAGEIROS RAROS E DE RARA NATURA

Quanto a estalagens portuguesas, Link ( link's são aeternus)fala com certa abundância, mas reteremos apenas que, segundo ele, “quem tem a boca fina terá certamente alguma coisa a objectar, mas não se pode imaginar como é desagradável depois de uma longa jornada ter de se preocupar com o mínimo pormenor. Encontrámos um serviço rápido e bom, a comida não era má, e a bonita e amável estalajadeira tinha a vivacidade, uns olhos lindos e conversadores e a decência que tão notavelmente singularizam e distinguem este povo. Que distância entre Badajoz e Elvas a este respeito!” Limpem-se a este guardanapo os nuestros hermanos. Elvas impressiona-o bem: “Na cidade,” diz, “tanto quanto era dado ver, estava tudo em boa ordem na Primavera de 1798: a fortaleza estava bem guarnecida e faziam-se novas obras. Em Badajoz parecia tudo vazio e abandonado. Via-se”, conclui com astúcia, “[via-se] que Portugal tinha receio, mas Espanha não”. Sobre o nosso exército diz coisas lisonjeiras, à sua maneira cândida: “As tropas portuguesas não são más. Conheço regimentos que manobram bem e disparam certeiro, mesmo quando os comparo com os muitos e variados exércitos que vi em manobras.” E mostra uma comiserada simpatia pelos da arma de cavalaria: “A cavalaria”, diz ele, “tal como a espanhola, tem apenas alazões, os cavalos são porém mais robustos que os da cavalaria espanhola. Não montam mal, mas a farda não lhes fica bem. Os soldados são miseravelmente pagos, um soldado recebe diariamente dois vinténs ou 40 reis (600 fazem um táler), dos quais ainda tem de descontar alguma coisa para a farda, um soldo extraordinariamente miserável num país tão caro como é Portugal, especialmente Lisboa. Pão, uma sardinha e um vinho mau são a invariável alimentação diária destes homens, que nunca, ou porventura raramente, têm carne ou hortaliças para comer. No ano de 1798”, acrescenta Link, “foi incorporada à força uma quantidade de jovens e muitos regimentos foram aumentados em 500 homens. Tiraram as gentes dos seus trabalhos no campo. Foram buscá-los a todo o lado, o governo prometeu recompensas aos juizes de fora que conseguissem muitos recrutas e o resultado foi que muitas vezes se encontravam bandos inteiros que eram conduzidos numa longa fila com as mãos atadas, como criminosos. Era uma desgraça ver esta gente, que porventura podia viver confortavelmente em casa dos frutos do seu trabalho e agora era arrastada para a cidade para aí passar fome. Muitas vezes à noite em Lisboa, frente às casernas do regimento de Gomes Freire, era-me pedida esmola pela sentinela, que tinha a justo título direito à minha compaixão. Poder-se-á condenar a nação portuguesa”, pergunta Link, “por ela, em face destas circunstâncias, detestar o serviço militar?” O único comentário que gostaria de aqui fazer é que, mais de um século e meio depois quando eu próprio fiz o serviço militar, as condições não eram substancialmente melhores – e o amor ao serviço militar não tinha crescido de modo visível...

Não vou poder demorar-me em tanta passagem apetecida, para não me alongar demasiadamente, e não vou, sobretudo, demorar-me no Alentejo, minha província favorita. No entanto, não posso deixar de permitir ao botânico que Link também foi que aqui diga duas ou três belas coisas sobre as charnecas do Alentejo, até porque é surpreendente a intensidade do entusiasmo: “Vimos estas charnecas na mais bonita estação do ano, no início da Primavera. As belas urzes, os encantadores cistos da Europa do Sul, estavam quase todos a florir e um ar ameno e calmo estava cheio dos mais variados aromas. Quem subitamente fosse transportado da Alemanha para uma charneca como esta acharia a vista extraordinariamente bela e decerto não pensaria em fazer qualquer comparação com a charneca de Lüneburg ou mesmo com uma charneca inglesa. A variedade dos arbustos é excepcionalmente grande, a beleza dos mesmos excede de longe a maior parte das nossas plantas nórdicas, além disso estes estão sempre verdes e justamente no Inverno muitíssimo bonitos.” Mas não há bela sem senão e, neste, como em muitos outros pontos, Link dá-nos prova da sua vontade de objectividade, ao assinalar uma nódoa no esplendor natural que acaba de nos descrever: “Mas pondo de parte esta variedade de flores,”, diz ele, “estas charnecas rapidamente se tornam desagradáveis, até mesmo ali, nos sítios onde são mais belas. Sem cultura não há paisagem que agrade, se não tiver um estilo sublime.”

Chegando a Lisboa, vindo do Sul, o espectáculo, visto da outra margem, deixa-o literalmente embasbacado: “A vista de Lisboa”, nota ele, “quando se atravessa o rio vindo de Aldeia Galega, da Moita ou de Cacilhas, é extraordinariamente bela. Não conheço nenhuma cidade que se exiba tão majestosamente. A grande superfície de água, um caudal que em alguns sítios tem uma largura superior a duas milhas alemãs, a quantidade de navios mesmo junto ao rio, a cidade grande que se estende pelas colinas como um anfiteatro, com uma série de igrejas, jardins e oliveiras – tudo isto é por certo uma invulgar combinação de raras belezas. A uma distância maior, quase não se distinguindo a cidade propriamente dita porque toda a margem do rio é uma cidade, a majestosa, rochosa e pontiaguda serra de Sintra forma ao longe o pano de fundo deste quadro, depois de já a alta serra da Arrábida, do lado sul do rio, nos ter surpreendido no meio das charnecas. À medida que uma pessoa se aproxima, começa-se finalmente a distinguir a cidade que ocupa as colinas até aos seus cimos, descobre-se a bela praça do Comércio, as novas ruas, o Arsenal, o Terreiro do Trigo, vê-se como o rio se estreita junto à foz e, coberto de grandes navios, desagua no mar por entre colinas que aqui, do lado sul habitualmente plano, também se elevam, admiram-se estas colinas do lado norte com Belém, a Ajuda e a sua igreja resplandecente, com a Tapada Real, e do lado sul adornada com a vila de Almada, cuja igreja se encontra no cimo do primeiro cume. Poder-se-á levar a mal aos portugueses”, pergunta Link, “quando num passeio pelo rio eles dizem que Lisboa é a mais bela cidade do mundo? Cheio de razão diz a este respeito o provérbio: quem não tem visto Lisboa não tem visto coisa boa. Quem não viu Lisboa não viu nada. Porque uma vista destas não existe em nenhum outro lado.”

Um tal entusiasmo faz um contraste quase impensável com, por exemplo, as páginas do diário do grande romancista inglês, Henry Fielding, o celebrado autor do romance Tom Jones, à sua chegada a Portugal, em 1754. Deve ter-se em conta o estado de espírito de Fielding: com 47 anos apenas, mas coxo e com os pulmões devastados, o grande romancista inglês, que publicara a sua obra-prima 5 anos antes, chegava a Lisboa quase moribundo – viria a morrer pouco depois da sua chegada, encontrando-se hoje sepultado na capital portuguesa. Doente, diminuído, amargurado, a sua visão reflecte o seu estado de espírito. Com a data de 7 de Agosto de 1754, o seu diário regista, sem complacências, o seguinte, escrito apenas quatro décadas antes da visita de Link:

“Lisboa, perante a qual nós agora estamos ancorados, dizem que foi construída sobre o mesmo número de colinas que a velha Roma, mas não se vêem da água, pelo contrário, daqui vê-se uma vasta e alta montanha e um rochedo, com edifícios erguendo-se uns acima dos outros, e isto de modo tão inclinado e quase perpendicular, que todos eles parecem ter apenas um alicerce.

Como as casas, conventos, igrejas, etc. são grandes e construídos com pedra branca, todos parecem muito belos, à distância, mas quando nos aproximamos mais, vemos que lhes falta qualquer ornamento e toda a ideia de beleza desaparece.

Cerca das sete da tarde entrei para uma liteira no cais e fui conduzido através da mais feia cidade do mundo, embora ao mesmo tempo uma das mais populosas, a uma espécie de café, que está agradavelmente situado no cimo de uma colina, a cerca de 1 milha da cidade e tem uma bela vista do rio Tejo de Lisboa até ao mar

Repare-se no acinte: Lisboa é a “mais feia cidade do mundo” – não apenas uma das mais feias, mas simplesmente, “a mais feia”. Fielding não vai jantar a um café, mas sim “a uma espécie de café” e o próprio jantar, se lhe concede ser “bom”, diminui-lhe o aprazimento qualificando-o de “caro”... Não há dúvida de que o autor de Tom Jones não estava, naquele momento, para graças... Este texto do diário do escritor inglês é um bom exemplo, em que vale a pena meditar, de como a subjectividade do viajante, alimentada de uma variedade de especiarias mas também de venenos, pode dar ao seu relato os coloridos e as tonalidades mais diversas: do encanto à repulsa, do entusiasmo ao tédio, do apreço ao denegrimento.

Link dedica um generoso número de páginas a Lisboa e, seja dito de passagem, corrobora Fielding ao negar a existência de sete colinas que reduz apenas a três. E, dando provas sobejas de imparcialidade, faz um abundante acervo de observações em flagrante contraste com o entusiasmo que lhe causaram as primeiras impressões. “A primeira coisa que uma pessoa não pode deixar de notar em Lisboa” diz o nosso viajante, “é o mau policiamento [como se vê, não é só de hoje...]. A imundície das ruas está amontoada por todo o lado, nas ruas mais pequenas e estreitas, onde a chuva não lava, forma verdadeiras colinas, e para uma pessoa não se afundar no meio dela tem de conhecer muito bem o carreiro. (...) Pense-se na quantidade de pessoas que diariamente fazem este caminho, nos galegos com as suas enormes cargas de que ninguém se pode afastar ou evitar, pense-se igualmente que as carroças passam tão perto das casas quanto possível, para não deixar os cavalos enterrar-se na lama profunda, e pense-se ainda que toda a imundície e porcaria da pior espécie é deitada às cegas para cima dos passantes. E agora a noite. Antigamente a cidade era iluminada, agora já não, e como as lojas fecham cedo nada alumia a escuridão das vielas estreitas e mal pavimentadas. Uma horda de cães sem dono que se alimentam à custa do público erra pela cidade como lobos esfaimados e, pior ainda do que estes, é a horda de bandidos. Muitos se admiraram como nós tínhamos ousado, nestes tempos de guerra, viajar para Portugal por terra, eu garantia que esta não é de longe uma empresa tão audaz como ir de Belém a Marvila, no extremo oriental da cidade, por volta da meia noite. Como pode um povo, entre o qual se encontram afinal homens esclarecidos, aguentar horrores deste género, que põe Lisboa ainda abaixo de Constantinopla?”

O Carnaval em Lisboa também lhe não deixou gratas recordações: “As diversões do Carnaval”, diz ele, “são sempre feitas segundo o gosto dominante da nação. E em que é que consistirão em Lisboa? Nobres e gente do povo divertem-se em atirar toda a espécie de sujidade e imundície aos passantes que, de acordo com o costume e para evitar maus encontros, aguentam pacientemente este tipo de coisas. Uma encantadora dama de condição despejou um bacio sobre mim, não me deixando qualquer consolo a não ser o de esperar que o bacio fosse o seu.” Falando de banditismo, Link denuncia, com perspicácia, a atitude lusa de complacência ou, mesmo, quase cumplicidade admirativa para com o prevaricador: “Era-se ousado”, observa ele, “ao ponto de se assaltar carruagens. O criminoso escapa quase sempre, em virtude de uma compaixão verdadeira e genuinamente portuguesa, toda a gente lhe facilita a fuga. Coitadinho, pobre homem, dizem, e tudo lhe corre de feição. A pena de morte foi completamente abolida, enviam-se os criminosos para a Índia ou para Angola, uma pena que contudo nunca faz tanto efeito como a pena de morte, apesar de não ser insignificante, tendo em conta o clima doentio de ambos os países.”

Quanto à caracterização do criminoso, Link não temia o politicamente incorrecto, visto tais conceitos não estarem ainda em vigor, na altura em que escrevia. Por isso, com escarolada candura, observa: “Uma grande parte dos ladrões são negros, que existem aqui em grande número, talvez mais do que em qualquer outra cidade da Europa, sem exceptuar Londres. Muitos têm já aqui ocupações burguesas, não sendo raro ver negros ser apresentados como bons e honestos cidadãos, alcançam um alto grau de destreza e habilidade. No entanto uma grande parte são pedintes, ladrões, alcoviteiros e alcoviteiras..” E continua, caracterizando Lisboa, cuja fauna lhe parece bem pior do que a do restante país: “Há uma grande quantidade de ralé em Lisboa, pois todas as gentes inúteis das províncias afluem para a capital, e podem sair-se bem com facilidade na cidade aberta. (...) Um médico pode encontrar aqui algumas raras e curiosas doenças de pele, observei muitas vezes um verdadeiro leproso e através de observações deste género procurei manter-me incólume ao asco que elas inspiram. Os mendigos recebem esmolas copiosas, do mal entendido serviço religioso nos países católicos faz parte dar esmolas. Muitas vezes têm manhas refinadas para conseguir estas esmolas. Lembro-me de um homem velho que se atirava para o chão à nossa frente por causa da fome, como ele depois dizia, apanhando assim rapidamente ao meu jovem acompanhante uma considerável moeda de ouro. Eu um bocado mais frio do que ele, reparei na queda teatral, retraí-me na minha dádiva, examinei a coisa e verifiquei que a minha suposição era fundada. Outro peditório é pelas almas do Purgatório. (...) Em Portugal tudo acontece pelo amor de Deus e pelas almas.” Outro grande tema que parece ter fascinado o viajante alemão é o do rapé: “O rapé”, diz ele, “é uma grande necessidade da nação inteira, de todas as classes, de ambos os sexos e de todas as idades. Pode-se ficar muito bem relacionado com um português comum e vulgar oferecendo-lhe uma pitada de bom tabaco. Vi uma pedinte atascar de tabaco o nariz da criança que trazia ainda ao colo. Numa excursão botânica pelos arredores de Lisboa, encontrei uma mulher muito bem vestida que me pediu uma pitada de rapé porque tinha perdido a sua caixa de tabaco. Quando lhe disse que nunca trazia tabaco comigo, respondeu-me com a expressão da mais violenta dor: estou desesperada. Não se pode pois levar a mal a Afonso IV”, comenta Link, com ironia alemã, “o facto de, depois da batalha do Ameixial, ter mandado oferecer a todos os soldados ingleses, que por ele tão valentemente lutaram, duas libras de rapé.”

Ainda neste capítulo, Link critica autores que, como Murphy, julgam todo o Portugal como se se tratasse de Lisboa: “Quem quiser julgar a nação a partir de Lisboa corre o risco de se enganar muito. A cidade é o ponto de concentração de todos os gatunos, vigaristas e patifes do Reino inteiro e uma grande parte dos estrangeiros de condição mais baixa pertence do mesmo modo à escumalha das suas nações.”

Ou seja além de se mudar pouco

fica-se sempre com má fama